quarta-feira, 11 de novembro de 2009

por Martinha Ferreira


A brisa vem quente e delicada, como carícias de uma mãe, correr os dedos pelos cabelos e desprender as últimas folhas das árvores cruas e recortadas num pôr-do-sol escondido. Pés ante pés pisam o falso chão de caruma e mel, os tecidos mortos estalam pelas solas de borracha, a cabeça pende para a frente numa melancolia desprendida.
É doce, este Outono, este cheiro a estrume quente e a erva cortada, a rebentos secos e a cascos e feno fresco. Lá ao longe um vitelo passeia os olhos pelos humanos pesarosamente e delicia-se com um dente-de-leão por entre as mandíbulas. A erva e a terra fundem-se bem como o céu escuro e feio lá ao longe; o vento amedronta-se e arrefece, e tudo perde a gentileza de um tarde. A noite não chega, mas o sol vai na mesma, e o momento pára. Imóvel. Ileso.
Olho e quero-te ali, quero-te ali naquele momento, quero ver-te apertar a gola da camisola contra o pescoço e franzir as sobrancelhas como se duas agulhas tas prendessem; depois o teu riso solta-se, um galho quebra-se e desapareces.
A dois passos, elas vêm num trote lânguido contra passos pequenos e receosos, e os seus focinhos aprontam-se ao nível da nuca, os lábios roçam sobre os ombros e o pescoço contrai em pulsações destemidas. E se são belas! Nos seus castanho-pimenta e cortiça adocicada, depois talvez um cinzento grafite e um poldro de faixa branca, que cheira e sente qual ser tão diferente.
Um focinho impaciente empurra pela zona da cintura enquanto dedos se entrelaçam em crinas e orelhas, e o poldro suspira de contentamento; são quatro, quatro fêmeas imensas que engolem o corpo em carícias, ao ponto dos dedos se tornarem pretos da sujidade do pelo macio e sedoso e os pés se perderem no meio de cascos.
Desprendo-me e elas correm, fogem e voltam a correr, numa elegância de um dia puro, sobre músculos e articulações quentes, suadas e apaixonantes; um olhar doce espelhado, uma alma livre. Completamente livre.
Lusitano, sinto, suspiro e respiro. Poderia adormecer eternamente por entre feno dourado e éguas mansas, se ao menos olhasse, e te visse a ti.

5 comentários:

Lara MotaPinto disse...

Martinha:

Não te conhecia a veia, mas fiquei arrepiada com o que li. Onde podemos ler mais? Coisas destas devem ser patilhadas...

Beijinhos

Marta Pessanha disse...

Sem palavras...

Adorei!

queremos mais..., né Lara? hehe :D


Beijinhosss

Anônimo disse...

Ora obrigada :) Eu para ja nao tenho mais nada, mas quando tiver aviso. Foi muito simpático da parte do Thiago em publicar o texto :)

Beijinhos,
Martinha

Thiago Duarte disse...

Que bom que curtiu, Marta. Venha mais vezes visitar-me cá. Beijo grande.

Thiago Duarte disse...

Obrigado pelas palavras emprestadas para o meu blogue. Vai ser sempre um prazer publicá-la! Beijo.